Vamos supor que você precise de uma estante para seus livros. Há poucos anos, possivelmente pesquisaria nas lojas de móveis de sua cidade - ou talvez em antiquários. Hoje é mais provável que abrisse dezenas de abas em seu navegador de internet para comparar preços e modelos. Mas há outra opção que vem se tornando cada vez mais popular: móveis open source.
É simples: você faz o download do projeto de um móvel e envia para uma máquina CNC (fresadora que corta chapas de madeira a partir de um arquivo digital) - mais ou menos como mandar um PDF para impressão. Com as peças cortadas, é só montar. Usamos como exemplo uma estante de livros, mas poderia ser uma cadeira, uma mesa, um armário, um banco... O Opendesk, uma das plataformas de móveis open source da atualidade, reúne cerca de 30 de móveis disponíveis para download. Lá o usuário pode baixar um projeto para cortar o móvel ele mesmo, em um FabLab ou oficina pessoal, ou ser conectado através do site com um marceneiro próximo de sua casa que faça os cortes.
Inicialmente, o termo Open Source foi usado para identificar um movimento que surgiu nos anos 90 por desenvolvedores de software - que disponibilizavam códigos-fonte para uso, redistribuição e modificação por qualquer pessoa. Sendo assim, os usuários passaram a ter liberdade para não só utilizar, mas também para copiar, distribuir, modificar e estudar o software, promovendo um modelo colaborativo de produção intelectual. Um exemplo de software open source é a conhecida plataforma de sites e blogs, WordPress.
Os móveis open source surgiram seguindo essa tendência - somada ao "boom" do movimento faça-você-mesmo. Ao conectar designers, produtores locais e clientes, eliminam-se intermediários e custos de exportação e importação, minimizando também custos de logística e distribuição. Em vez comprar um móvel pela internet e tê-lo entregue do outro lado do país, os móveis open source fazem a economia local girar - já que a ideia é que o móvel seja fabricado o mais próximo possível de onde ele vai ser usado. "Compartilhe globalmente e produza localmente" é uma das premissas do movimento.
Na plataforma Opendesk, por exemplo, fica a critério do designer se o download será disponibilizado gratuitamente ou não. Com o projeto em mãos, o usuário pode recorrer a um FabLab ou sua própria oficina para cortar as chapas de madeira através de uma máquina CNC. A outra opção é o usuário comprar o móvel através do site. Dessa forma ele será redirecionado ao marceneiro mais próximo, que recebe o projeto e o fabrica de acordo com as instruções - o Opendesk tem parceria com centenas de marceneiros espalhados pelo mundo todo. O valor pago pelo usuário é então dividido entre a taxa do marceneiro, a taxa do designer e da plataforma.
Todos os projetos de móveis Open Source, mesmo os disponibilizados gratuitamente, tem uma patente que protege os direitos de propriedade intelectual do criador e só podem ser baixados para uso pessoal - podendo ser personalizados e readequados para outros contextos. Mesmo não lucrando diretamente com os downloads, os móveis Open Souce oferecem uma grande vantagem aos designers: distribuição global. Através dos móveis OpenSource, os projetistas podem tornar o seu trabalho mais conhecido internacionalmente e ter a disposição um número maior de clientes potenciais.
Denis Fuzii, um dos primeiros designers do Opendesk, era um jovem arquiteto de São Paulo quando desenvolveu para um cliente uma cadeira fabricada digitalmente através de uma CNC. Sua amiga em Barcelona se encantou pelo modelo e quis uma também. Para resolver o problema da distância, Fuzii enviou o arquivo para uma empresa na Espanha que tinha uma CNC. A empreitada deu tão certo que Fuzzi resolveu encaminhar gratuitamente o arquivo para FabLabs do mundo todo - e nisso foi percebido por um dos fundadores da Opendesk, que o convidou para participar do projeto. Em dois meses na plataforma, as duas cadeiras de sua autoria, Kuka e Valoví, tiveram 5 mil downloads e foram produzidas em mais de 100 países - e Fuzii se consagrou como designer de móveis.
Apesar dos altos números de downloads e de móveis sendo produzidos dessa forma pelo mundo, open source ainda é algo muito novo e em desenvolvimento. Tudo indica que o movimento é uma revolução e que veio para ficar, mas há questões a serem trabalhadas. Uma das maiores dificuldades é a falta de controle quanto ao uso comercial dos projetos. O alto custo de produção também acaba sendo um empecilho, bem como a falta de experiência com máquinas CNC - que acaba prejudicando a execução e acabamento das peças. Enquanto isso, seguimos buscando desenvolver a economia local, reduzir o impacto ambiental, e aumentar a colaboratividade entre as pessoas.
Publicado originalmente em abril de 2019, atualizado em 07 de maio de 2020.